sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O JAIR QUE HÁ EM NÓS



Por: Prof. Dr. Ivan Lago

“O Brasil levará décadas para compreender o que aconteceu naquele nebuloso ano de 2018, quando seus eleitores escolheram, para presidir o país, Jair Bolsonaro.


Capitão do Exército expulso da corporação por organização de ato terrorista; deputado de sete mandatos conhecido não pelos dois projetos de lei que conseguiu aprovar em 28 anos, mas pelas maquinações do submundo que incluem denúncias de “rachadinha”, contratação de parentes e envolvimento com milícias; ganhador do troféu de campeão nacional da escatologia, da falta de educação e das ofensas de todos os matizes de preconceito que se pode listar.


Embora seu discurso seja de negação da “velha política”, Bolsonaro, na verdade, representa não sua negação, mas o que há de pior nela. Ele é a materialização do lado mais nefasto, mais autoritário e mais inescrupuloso do sistema político brasileiro. Mas – e esse é o ponto que quero discutir hoje – ele está longe de ser algo surgido do nada ou brotado do chão pisoteado pela negação da política, alimentada nos anos que antecederam as eleições.


Pelo contrário, como pesquisador das relações entre cultura e comportamento político, estou cada vez mais convencido de que Bolsonaro é uma expressão bastante fiel do brasileiro médio, um retrato do modo de pensar o mundo, a sociedade e a política que caracteriza o típico cidadão do nosso país.


Quando me refiro ao “brasileiro médio”, obviamente não estou tratando da imagem romantizada pela mídia e pelo imaginário popular, do brasileiro receptivo, criativo, solidário, divertido e “malandro”. Refiro-me à sua versão mais obscura e, infelizmente, mais realista segundo o que minhas pesquisas e minha experiência têm demonstrado.

No “mundo real” o brasileiro é preconceituoso, violento, analfabeto (nas letras, na política, na ciência... em quase tudo). É racista, machista, autoritário, interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto.


Os avanços civilizatórios que o mundo viveu, especialmente a partir da segunda metade do século XX, inevitavelmente chegaram ao país. Se materializaram em legislações, em políticas públicas (de inclusão, de combate ao racismo e ao machismo, de criminalização do preconceito), em diretrizes educacionais para escolas e universidades. Mas, quando se trata de valores arraigados, é preciso muito mais para mudar padrões culturais de comportamento.


O machismo foi tornado crime, o que lhe reduz as manifestações públicas e abertas. Mas ele sobrevive no imaginário da população, no cotidiano da vida privada, nas relações afetivas e nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, nos grupos de whatsapp, nas piadas diárias, nos comentários entre os amigos “de confiança”, nos pequenos grupos onde há certa garantia de que ninguém irá denunciá-lo.


O mesmo ocorre com o racismo, com o preconceito em relação aos pobres, aos nordestinos, aos homossexuais. 


Proibido de se manifestar, ele sobrevive internalizado, reprimido não por convicção decorrente de mudança cultural, mas por medo do flagrante que pode levar a punição. É por isso que o politicamente correto, por aqui, nunca foi expressão de conscientização, mas algo mal visto por “tolher a naturalidade do cotidiano”.


Se houve avanços – e eles são, sim, reais – nas relações de gênero, na inclusão de negros e homossexuais, foi menos por superação cultural do preconceito do que pela pressão exercida pelos instrumentos jurídicos e policiais.


Mas, como sempre ocorre quando um sentimento humano é reprimido, ele é armazenado de algum modo. Ele se acumula, infla e, um dia, encontrará um modo de extravasar. (...)


Foi algo parecido que aconteceu com o “brasileiro médio”, com todos os seus preconceitos reprimidos e, a duras penas, escondidos, que viu em um candidato a Presidência da República essa possibilidade de extravasamento. Eis que ele tinha a possibilidade de escolher, como seu representante e líder máximo do país, alguém que podia ser e dizer tudo o que ele também pensa, mas que não pode expressar por ser um “cidadão comum”.


Agora esse “cidadão comum” tem voz. Ele de fato se sente representado pelo Presidente que ofende as mulheres, os homossexuais, os índios, os nordestinos. Ele tem a sensação de estar pessoalmente no poder quando vê o líder máximo da nação usar palavreado vulgar, frases mal formuladas, palavrões e ofensas para atacar quem pensa diferente. Ele se sente importante quando seu “mito” enaltece a ignorância, a falta de conhecimento, o senso comum e a violência verbal para difamar os cientistas, os professores, os artistas, os intelectuais, pois eles representam uma forma de ver o mundo que sua própria ignorância não permite compreender.


Esse cidadão se vê empoderado quando as lideranças políticas que ele elegeu negam os problemas ambientais, pois eles são anunciados por cientistas que ele próprio vê como inúteis e contrários às suas crenças religiosas. Sente um prazer profundo quando seu governante maior faz acusações moralistas contra desafetos, e quando prega a morte de “bandidos” e a destruição de todos os opositores.


Ao assistir o show de horrores diário produzido pelo “mito”, esse cidadão não é tocado pela aversão, pela vergonha alheia ou pela rejeição do que vê. Ao contrário, ele sente aflorar em si mesmo o Jair que vive dentro de cada um, que fala exatamente aquilo que ele próprio gostaria de dizer, que extravasa sua versão reprimida e escondida no submundo do seu eu mais profundo e mais verdadeiro.


O “brasileiro médio” não entende patavinas do sistema democrático e de como ele funciona, da independência e autonomia entre os poderes, da necessidade de isonomia do judiciário, da importância dos partidos políticos e do debate de ideias e projetos que é responsabilidade do Congresso Nacional. 


É essa ignorância política que lhe faz ter orgasmos quando o Presidente incentiva ataques ao Parlamento e ao STF, instâncias vistas pelo “cidadão comum” como lentas, burocráticas, corrompidas e desnecessárias. Destruí-las, portanto, em sua visão, não é ameaçar todo o sistema democrático, mas condição necessária para fazê-lo funcionar.

Esse brasileiro não vai pra rua para defender um governante lunático e medíocre; ele vai gritar para que sua própria mediocridade seja reconhecida e valorizada, e para sentir-se acolhido por outros lunáticos e medíocres que formam um exército de fantoches cuja força dá sustentação ao governo que o representa.


O “brasileiro médio” gosta de hierarquia, ama a autoridade e a família patriarcal, condena a homossexualidade, vê mulheres, negros e índios como inferiores e menos capazes, tem nojo de pobre, embora seja incapaz de perceber que é tão pobre quanto os que condena. Vê a pobreza e o desemprego dos outros como falta de fibra moral, mas percebe a própria miséria e falta de dinheiro como culpa dos outros e falta de oportunidade. Exige do governo benefícios de toda ordem que a lei lhe assegura, mas acha absurdo quando outros, principalmente mais pobres, têm o mesmo benefício. 


Poucas vezes na nossa história o povo brasileiro esteve tão bem representado por seus governantes. Por isso não basta perguntar como é possível que um Presidente da República consiga ser tão indigno do cargo e ainda assim manter o apoio incondicional de um terço da população. A questão a ser respondida é como milhões de brasileiros mantêm vivos padrões tão altos de mediocridade, intolerância, preconceito e falta de senso crítico ao ponto de sentirem-se representados por tal governo?”

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Ivan Lago


Professor e doutor em Sociologia Política

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Liturgia em tempo de pandemia – Parte II


Foto: Arquivo Pessoal
Por: Fr. Alex Assunção 

No artigo anterior iniciamos uma reflexão sobre a “Liturgia em tempo de pandemia”. O mesmo foi concluído com uma expressão de São João Crisóstomo, que dizia: “não se põe incenso em carvão apagado”. Isto foi dito em um contexto em que a liturgia tinha perdido a sua essência. A pomposidade característica das festas palacianas, tinham sido inseridas na liturgia católica, destoando assim do jeito jesuanico de rezar e celebrar. João Crisóstomo, que era um bispo respeitado e conhecido pelo seu estilo de vida ascética, ao ser nomeado arcebispo de Constantinopla, a Capital do Império, iniciou uma série de reformas na vida da Igreja, incluindo a reforma litúrgica. Essa reforma da Liturgia primava em levar Deus aos homens pela Divina Liturgia. E para que isso acontecesse era necessário resgatar a dimensão mistagógico da liturgia. 

Desde os tempos de São João Crisóstomo, muitos séculos se passaram e a nossa liturgia parece que, novamente, andou perdendo sua essência. No século passado tivemos uma grande reforma litúrgica. Foi a partir dessa reforma que a missa passou a ser celebrada na língua vernácula. Isto foi fabuloso! No entanto, com a empolgação dessa mudança, veio também os exageros. Com a justificativa de atrair fiéis para a Igreja foi se agregando na nossa liturgia, aquilo que há de pior no pentecostalimo. Ministérios que antes não existiam, começaram a ser inventados: comentarista, animadores, ministério de música etc. As missas começaram a ser explicadas pelos longos e enfadonhos comentários, os animadores passaram a conduzir a assembleia como animadores de palcos, as músicas começaram a ser selecionadas sem os critérios da Sagrada Liturgia. Com isso a dimensão memorial e mistagógica da missa foi sendo deixada de lado.

É tempo de resgatarmos à essência da Liturgia, tendo como base a inspiradora a Sacrosanctum Concilium. O Papa Francisco não tem medido esforços para recuperarmos esse caminho. Ele dedicou várias catequeses sobre essa temática. Na audiência Pública, do dia 22.11.2017, nos brindou com a seguinte reflexão: “A participação na Eucaristia faz-nos entrar no mistério pascal de Cristo, concedendo-nos a oportunidade de passar com Ele da morte para a vida, ou seja, no calvário. A Missa significa repercorrer o calvário, este percurso não é um espetáculo”. 

Nesses dias nossa liturgia nos relembrou o texto de Mt 6,7-15, onde Jesus nos ensina: “Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos”. As muitas palavras empobrecem a nobreza e tira a dignidade de nossas liturgias. O falatório em nossas celebrações nos impede de viver plenamente o Mistério. O mesmo vale para as músicas que cantamos na missa. “A música litúrgica deve ter sempre um caráter orante. Por isso, os músicos devem cantar e tocar na liturgia com espírito de oração. Orando! Sua música deve ser oração em forma de sons e acordes. Cantos, sons e acordes, tudo oração” (José Ariovaldo, 2016). 

Após essa longa quarentena, não podemos voltar para nossas comunidades do mesmo jeito que a deixamos. Esse tempo tem sido uma oportunidade de refletirmos o verdadeiro sentido de celebrar. A missa não foi criada por nós, ela é memorial de um fato real que se repete. Nós não temos o direito, de transformá-la em nosso bel-prazer, enchendo com tantas coisas desnecessária. E lembremos sempre o mistério nunca explica, se tentarmos explicá-lo, ele deixa de ser mistério.

Fonte: Esse artigo foi escrito para o Jornal mensal da Diaconia Missionária - Diocese de Roraima

domingo, 21 de junho de 2020

Confiemos sempre no Senhor

Foto: Arquivo Pessoal 
Por: Fr. Alex Assunção

A liturgia de hoje nos faz refletir sobre o medo, por três vezes no evangelho aparece a expressão “não tenhais medo” (cf. Mt 10,26-33). Mas o que é o medo? A psicologia vai nos dizer que o medo “é um estado de alerta extremamente importante para a sobrevivência humana. Uma pessoa sem medo nenhum pode se expor a situações extremamente perigosas, arriscando a própria vida, sem medir as possíveis consequências trágicas de seus atos” (J. Ferrari, 2020). Porém, Jesus no evangelho de hoje desautoriza o medo. Nos evoca, como a oração do salmo: “Confiemos sempre no Senhor e Ele tudo fará por nós” (cf. Sl 37,5). 

Neste tempo de pandemia causada pelas infecções do novo coronavirus, que tem resultado em dores e perdas para COVID 19, de muitas pessoas amigas, conhecidas e até de familiares. A palavra do evangelho de hoje nos é uma provocação, a confiarmos sempre no Senhor, e a não termos medo! Isto nos leva pensar sobre a nossa missão de batizados e como estamos testemunhando nossa fé nesse tempo de pandemia. Vivemos um dilema entre o cuidado com a nossa saúde, o que é salutar e necessário, e o arriscar nossa vida para viver a dimensão caritativa de nossa fé. 

O Evangelho de hoje apesar de se referir a um outro contexto, nos provoca a fazermos uma hermenêutica para nossa realidade. Pois, assim como as primeiras comunidades dos seguidores de Jesus, onde o medo era um problema sério, também hoje ele nos tem sido um desafio. O medo de sermos contaminados pelo Covid 19 ou de repassarmos a outras pessoas é algo que tem nos tirado nossa paz. O imperativo jesuanico, descrito por Mateus: “Não tenhais medo”, ecoa insistentemente em nós! Logo nos remete a realidade caótica vivida por tantas famílias pobres, desassistidas pelas políticas públicas, que estão as margens de nossa sociedade.

É bem verdade que muitos de nós tem se arriscado, indo ao encontro desses nossos irmãos, sendo verdadeiramente uma Igreja Samaritana. Isto é bonito, porém deve ser uma praxe extensa a todos. O medo não pode congelar nosso coração, mesmo nesse tempo de pandemia. Portanto, se eu não posso ir, mas posso colaborar com aqueles que estão indo. O certo é que o isolamento social não pode servir de justificativa para deixarmos de lado a caridade. Lembre-se o que nos ensinou São Paulo “a caridade jamais passará” (1 Cor 13,8), ele permanece e deve ser a maior de todas as virtudes cristãs. Que nesse tempo sombrio a força do nosso batismo e do Espirito Santo nos impulsione a sermos Jesus-Samaritano aos mais vulneráveis. 

Confiemos sempre no Senhor! E “não tenhais medo, vós valeis mais que muitos pardais”. Que o medo não nos contamine e nem nos paralise, que ele seja apenas um sinal de alerta, de prudência diante do perigo. Abençoada semana a todos! 



sábado, 13 de junho de 2020

O Santo Casamenteiro

Imagem: Ateliê 15 
Por: Ir. Cleusa Neves, CFA*

Martins de Bulhões, mais tarde, Santo Antônio, nasceu em Lisboa, Portugal, no dia 15 de agosto de 1195. Filho único de uma família nobre e rica, aos 15 anos ingressou na Ordem dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, em Coimbra, onde estudou filosofia e teologia e foi ordenado sacerdote no ano de 1220. Conhecido principalmente como “padroeiro dos pobres” e “santo casamenteiro”, sua festa é celebrada no dia 13 de junho, data de seu falecimento. Este ano comemora-se os 800 anos de seu ingresso na Ordem dos Frades Menores. Quando entrou na Ordem dos Frades Menores, em 1220, São Francisco de Assis ainda era vivo e, em Portugal, chegavam os primeiros frades franciscanos. Cônego Fernando ao conhecê-los ficou empolgado com o estilo de vida que levavam e com o trabalho missionário. Então, decidiu sair da Ordem dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho e entrar na Ordem dos Frades Menores. Conta a história que no ano de 1220, certo dia, ao ver os despojos dos frades franciscanos, venerados no Mosteiro de Santa Cruz, após serem martirizados numa missão no Marrocos, na tentativa de evangelizar os mouros, o jovem cônego Fernando ficou muito sensibilizado. Em seu coração nasceu um grande desejo de ser missionário e, então, decidiu juntar-se à Ordem dos Frades Menores. A cerimônia foi no Convento de Olivas, em Coimbra, onde recebeu o hábito das mãos de São Francisco de Assis e o nome de Frei Antônio.

Logo no início de sua vida franciscana, foi para uma missão em Marrocos, onde permaneceu por um ano. De saúde frágil, não ficou por mais tempo por causa de uma enfermidade. Ao retornar, passou a residir na Itália e, pouco a pouco, sua fama de excelente orador ia crescendo. Em 1222, por ocasião de uma ordenação sacerdotal em Forli, fez um belo sermão, deixando evidente seu grande dom da oratória e profundo conhecimento da Bíblia. Na região da Lombardia, trabalhou na evangelização e, em 1224, foi indicado por São Francisco de Assis para dar aulas de Teologia na universidade de Bolonha. Posteriormente, foi para a França e atuou como professor na universidade de Toulouse, Montpellier e Limoges.
No ano de 1227, Frei Antônio retorna para a Itália e, por onde passava, ia ganhando notoriedade como pregador. Suas pregações encontravam forte eco popular e aumentava sua fama de santidade. De seus sermões ficaram célebres os que proferiu em Forli, Provença, Languedoc e Paris. Com saúde debilitada e já considerado uma pessoa santa, Frei Antônio faleceu aos 36 anos, em Pádua, Itália, no dia 13 de julho de 1231. Foi canonizado no dia 30 de maio de 1232, pelo Papa Gregório IX e, em 1946, o Papa Pio XII o declarou doutor da igreja. Sobre seu túmulo, em Pádua, foi construída uma basílica a ele dedicada e para onde, em 1263, seus restos mortais foram transladados, é a Basílica de Santo Antônio de Pádua. Santo Antônio é conhecido como Santo Antônio de Pádua, por ser Pádua a cidade onde faleceu e foi sepultado e Santo Antônio de Lisboa, por ser Lisboa a cidade onde nasceu.

Em geral, é representado em imagens segurando o Menino Jesus e imagens segurando o Menino Jesus de um lado e, com o corpo um pouco reclinado, tendo na mão um pão, o pão dos pobres. No Brasil, é um dos santos mais populares, principalmente na Região Nordeste e no Catolicismo figura entre os mais importantes. Conhecido como “padroeiro dos pobres” porque distribuía pão para os menos favorecidos, daí surgiu o “pão dos pobres” ou “pãozinho de Santo Antônio”, é também invocado como protetor das coisas perdidas. Mas, também é famoso por ser o santo casamenteiro e, por causa de sua fama em fazer milagres, especialmente para arranjar casamento, muitos devotos fazem simpatias. Das mais conhecidas temos o trato com o santo em deixar sua imagem de cabeça para baixo, ou tirar o Menino Jesus de suas mãos até conseguir encontrar a “alma gêmea”. Em seus escritos não há nada específico sobre casamento. Segundo narra a história, ficou conhecido como o santo que ajuda mulheres a encontrarem um marido, porque ajudava as jovens pobres que não tinham dote e enxoval para o casamento. Conforme o costume da época, para casar-se, a família da moça devia pagar um dote.

Reportando ao artigo de Luis C. Susin, “Deus é nosso lugar”, podemos dizer que Santo Antônio conjuga tempo e eternidade. Como nós, esteve no tempo, foi tecido de tempo e de história. Eternidade e tempo se constituem de Criador e criaturas. Hoje, o padroeiro dos pobres se encontra na Eternidade. Nós, ainda estamos no tempo, tecendo história em meio a tribulações e vivemos a insegurança e a iminência de caos diante da realidade política e social. Então, para que em meio a este cenário possamos testemunhar o Evangelho a exemplo do protetor dos pobres, peçamos: “Santo Antônio, rogai por nós, intercedei a Deus por nós”.

Brasília, 12 de junho de 2020


* Presidente da CFFB
Fonte: https://cffb.org.br/mensagemsobresantoantoniopadroeirodospobres/

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Corpus Christi - A festa do Pão partilhado

Imagem gentilmente cedida por Ateliê 15

Por: Fr. Gregório Joeright, OFM

Hoje nós celebramos a festa do Corpo de Cristo e lembramos as palavras de São Paulo: “Porque há um só pão, nós todos somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão” (1Cor 10, 17). Celebrar a festa do Corpo de Cristo é celebrar o fato que somos um único corpo, uma comunidade de irmão e irmãs que se alimentam do mesmo pão e do mesmo cálice. 
Cada Eucaristia que celebramos, fazemos a memória de Jesus, da sua paixão, morte e ressurreição e proclamamos este mistério da fé: Anunciamos Senhor a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição, vinde Senhor Jesus. Fazer memória é não esquecer, é reconhecer a ação de Deus em nossas vidas. Foi isto que Moisés fez na primeira leitura de hoje: “Lembra-te de todo o caminho por onde o Senhor teu Deus te conduziu... Não esqueças do Senhor teu Deus que te fez sair do Egito, da casa de escravidão” (Dt 8, 2. 14b). O povo não podia esquecer a ação libertadora de Deus no seu passado, foi esta memória que alimentou o compromisso de continuar a caminhada. Assim, lembrar o passado foi essencial para viver no presente o ideal da fé. Também, na Eucaristia, lembrar o que Jesus realizou na sua morte e ressurreição é fundamental para viver o que Ele ensinou. 
Refletimos hoje sobre o sentido de ter presente entre nós, Jesus Eucarístico, isto é, Jesus presente no pão e no vinho consagrados – o corpo e sangue do Senhor. Comer a carne e beber o sangue significa alimentar-nos do Filho de Deus, sem divisões. Sabemos que tudo que comemos e bebemos se torna nossa carne, sangue, nossas energias. Comer a carne e beber o sangue de Jesus não é um ato de piedade, algo mágico, mas é a presença de Jesus em nossa vida, de modo que as nossas ações, palavras e sentimentos sejam de acordo com as palavras, ações e sentimentos de Jesus. Assimilar o alimento que Jesus nos dá é fazer com que nós assimilemos o próprio Jesus em nossas vidas: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6, 56). 
Por isso, recordar não é simplesmente guardar na memória, mas é nos alimentar de fatos passados para continuar a caminhada nos tempos atuais. É reconhecer que Jesus presente na Eucaristia é o alimento para vivermos como um só corpo hoje em nossas comunidades. Com certeza a nossa caminhada pelas ruas da cidade com Jesus no Santíssimo Sacramento com a presença e a manifestação de fé do nosso povo e das nossas comunidades é um grande sinal desta realidade de sermos o Corpo de Cristo. As saudades da nossa participação na Eucaristia neste tempo de pandemia têm que ser muito mais que simplesmente sentir falta, deve ser sentir a necessidade de vivermos de acordo com o Espírito Santo que Jesus nos prometeu. O Espírito que nos dá força para lembrar o que Jesus nos ensinou e para ser o nosso defensor na luta contra o mal e o pecado. É como o povo no deserto que se alimentou do maná e da memória de libertação para não esmorecer e nem desanimar rumo a Terra Prometida, que é a realização do projeto de liberdade prometida por Deus. 
Nestes três meses que já passamos sem a participação do povo na Eucaristia, já recebemos muitas mensagens de pessoas que manifestam o sentimento de uma falta muito grande da Eucaristia. Testemunhamos isto no dia da Pascoa que fizemos a caminhada com o Santíssimo Sacramento pelas ruas da cidade e quando fizemos a mesma coisa hoje. Com certeza, isto nos traz uma grande alegria pois reconhecemos a importância da Missa na vida do povo e das comunidades. Mas, tempo de ausência não é tempo só de sentir a falta, é tempo de nos aprofundar no verdadeiro sentido da Eucaristia. Celebramos, atualizamos a memória de Jesus, descobrimos que a missa não é um show ou espetáculo para atrair as multidões ou uma obrigação onde participamos simplesmente para aliviar a nossa consciência do medo de cometer algum pecado. A missa não pode ser simplesmente um programa social no final de semana ou trocada por qualquer outra atividade que nos parece mais interessante. 
Se Deus quiser, daqui há mais algumas semanas esperamos poder voltar para participar da Eucaristia, que este tempo de ausência não seja tempo perdido, mas tempo de valorização. Queremos reconhecer que participar da Eucaristia é fazer memória, a memória de Jesus que morreu na cruz e ressuscitou. Comungar é comungar na vida de Jesus é comungar na vida do irmão e da irmã. É sinal da nossa comunhão como igreja povo de Deus que celebra e caminha e é lembrar que somos um só corpo e que é preciso viver o amor, a partilha e a solidariedade entre nós. Que a Eucaristia seja para nós o que expressa para nós o canto de Zé Vicente: “A mesa tão grande e vazia, de amor e de paz! Onde há luxo de alguns, alegria não há – jamais! A mesa da Eucaristia nos quer ensinar, que a ordem de Deus, nosso Pai, é o pao partilhar. Pão em todas as mesas, da Páscoa a nova certeza: a festa haverá e o povo a cantar, aleluia. Irmãos companheiros na luta, vamos dar as mãos, na grande corrente de amor, na feliz comunhão – irmãos. Unindo a peleja e a certeza, vamos construir – aqui na terra o Projeto de Deus e todo o povo a sorrir!” (Pão em todas as mesas – Zé Vicente).

domingo, 7 de junho de 2020

Festa da Santíssima Trindade

Por: Fr. Alex Assunção


 A Solenidade da Santíssima Trindade é uma das festas que celebramos durante o ano, que não está ligando a um tempo litúrgico especifico como Páscoa ou Natal. Essa festa não é um convite para decifrar o "Mistério", que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas", mas uma oportunidade para contemplarmos o nosso Deus, e purificar o nosso coração das falsas ideias acerca da fé. É a festa da Comunidade, pois celebramos o Deus que se fez comunidade, que não é solitário, mas é amor, é família, é comunidade e nos criou para nos fazer comungar nesse mistério de amor.

Nos últimos três anos celebrei essa festa em Manaus, junto a Comunidade de Aliança que tem como nome e carisma a Santíssima Trindade. É uma comunidade relativamente nova, com Direito Diocesano. Sempre fiquei impressionado com a devoção com que celebravam essa festa. A mesma era marcada pela tradição familiar, trazida de Parentins, marcada por canto, danças, cores, e muita alegria. Sempre me chamou atenção o rito de preparação da mesma, o envolvimento e a união das pessoas.  A preparação do ambiente, a celebração do “Santo Triságio Angélico”, uma espécie de ladainha com cantos em latin. E no dia da festa o empenho incansável de todos na preparação da logística para receber todos irmãos/as das demais comunidades. Isto tudo, acontecia na Igreja Matriz, onde eles estavam ligados. Era uma mega estrutura de palco, cozinha, barracas, mastro, bandeiras, danças, músicas e muita comida. E tudo era oferecido gratuitamente a todos!

Ao celebramos essa festa somos convidados a nos comprometer com a vida em comunidade, pois é na comunidade que vivemos a nossa fé. Não existe a possibilidade de vivermos a fé fora da comunidade, dentro de um gueto eclesial, de um movimento ou um grupo de oração. Esses núcleos de fé só tem legitimidade se tiverem unidos a uma comunidade eclesial e em comunhão com as diretrizes da Igreja, e sobretudo, comprometidos com sua ação pastoral. Que esta solenidade nos ajude a compreender isto, e que purifique o nosso coração das falsas ideias de Deus e de Igreja. 

sexta-feira, 29 de maio de 2020

LITURGIA em tempo de pandemia

Por: Fr. Alex Assunção

Reza um velho ditado, “só se dá valor quando se perde”. Apoiando-me nesta sabedoria popular gostaria de apresentar uma pequena reflexão sobre o momento que estamos vivendo em nossas comunidades de Fé. Já estamos completando quase três meses que fomos forçados a fechar as portas de nossas Igrejas, interrompendo de forma brusca boa parte de nossas atividades pastorais para tentar conter uma das piores crises sanitárias, sociais e econômicas provocado por um inimigo invisível, o COVID 19. Muitas análises e reflexões virão quando tudo isso passar e sem dúvida iremos tirar boas lições. Este pequeno artigo, quer ser o primeiro de uma série, que serão publicados posteriormente em nosso informativo. Eles trarão algumas reflexões acerca da nossa Experiência de Fé a partir do Mistério Celebrado. Escrevo pensando de maneira especial em nossos irmãos e irmãs que exercem alguma função na Pastoral Litúrgica: Ministros da Palavra, Ministros da Eucaristia, Leitores, Comentaristas, Salmistas, Equipe de Canto e de Acolhida. Porém, o mesmo é extensivo a todos os leitores/as. 

Nesse tempo de isolamento social, tem sido comum pessoas amigas, paroquianos enviarem mensagens, telefonarem para dizer que sentem falta das missas, que tem saudades da vida comunitária e das atividades pastorais, isto muito nos alegra e nos anima. Algumas semanas atrás alguns irmãos nossos, pelo Brasil a fora, chegaram a ensaiar uma campanha nas redes sociais, onde gritavam “nos devolvam a missa”. Isto só vem a confirmar o dito: “só se dá valor quando se perde!” Diante dessa realidade, tenho me perguntado, quantas vezes essa missa que hoje é reivindicada, pelas pessoas, foi trocada por uma partida de futebol, por uma balada, por um passeio? Quantas vezes a missa apenas foi assistida de corpo presente, mas o pensamento estava distante? Quantas vezes membros das Pastorais deixaram de ir à missa, porque não tinha nenhuma função a desempenhar na mesma? Quantas vezes a missa foi planejada “a meu gosto”, transformada em um showzinho, desrespeitando as orientações litúrgicas? Quantas vezes a missa foi apenas um programa social de final de semana? Este tempo de privação da missa presencial pode nos ajudar a dar mais valor a esse dom precioso que é a Eucaristia, que é a Celebração do Dia do Senhor.

Como bem nos ensina o Catecismo da Igreja, a Eucaristia é a fonte e o ápice de toda a vida cristã. Diz ainda que pela Santa Missa, nós nos unimos à Liturgia do céu e antecipamos a eternidade (cf. nº 1326). É um ato de fé, de cumplicidade entre Eu – Deus – Comunidade. É através da Missa que Deus vem de maneira plena ao nosso encontro; e só porque Ele vem até nós, nós podemos ir até Ele. O rito da missa que nós celebramos, que às vezes alguns reclamam que é enfadonho, monótono, não foi inventada ao bel-prazer de um padre ou de um bispo. Tem a sua raiz nas Sagradas Escrituras, ressignificada pelo próprio Jesus (ver. Mt 26, 20. 26-30; 1 Cor 11,23-26). Infelizmente, nem todos ainda têm essa compreensão, até mesmo aqueles e aquelas que ajudam a preparar as liturgias em nossas comunidades. Muitas vezes o mistério cede lugar para ao brio de alguns “litúrgos”, que deveriam ser servos da liturgia (λειτουργία - "serviço público" ou "serviço do culto”). Esse tempo de privação da Missa e da Celebração da Palavra deve nos ajudar a avaliar nossa forma nossa forma de preparar e celebrar a Eucaristia, o Dia do Senhor. 

Logo mais voltaremos a celebrar juntos, quiçá esse tempo que perdemos o direito da missa presencial, tenha nos servido para valorizarmos mais a Santa Missa, a Celebração do Dia do Senhor. Que possa ter ajudado as nossas equipes de liturgia serem mais mistagógicas. Pois como disse certa vez São João Crisóstomo: “não se põe incenso em carvão apagado”. As vezes tenho a impressão que as nossas liturgias são como incenso em carvão apagado! É preciso primeiro acendermos em nós o fogo do Espírito Santo, fazer arder nosso coração, podemos fazer isto com oração pessoal ou comunitariamente através de refrões orantes, mantras, tempo de silêncio. A missa é a hora de colocar o incenso de nossas preces a Deus. É a hora de dizermos “suba minhas orações como incenso em tua presença Senhor” (Sl 141,2).  Até o próximo artigo, onde daremos continuidade a esta reflexão.